Vocês acompanharam aquele resgate das crianças na caverna da Tailândia?A BBC publicou uma matéria com a seguinte chamada: “Por que a identidade de crianças salvas demorou a ser revelada até para os pais?”* Nesse artigo, o autor da matéria resgata um ditado tailandês que diz: “evitarás ofender a quem te ajuda pedindo mais do que este lhe dá.” Em suma, metade das crianças fora resgatada até então, enquanto a outra metade ainda estava aguardando salvamento. A prioridade da equipe de resgate, das mídias e do governo era focar na missão em si, com toda a segurança possível, e não revelar quem já havia sido resgatado em respeito aos parentes das vítimas que ainda permaneciam na caverna. Fato era: só era possível resgatar um menino por vez – um a um – o que nos leva à inevitável conclusão de que cada uma delas teria de esperar pelo seu turno. Então, em vez de polemizar, propiciando uma possível especulação sobre a ordem das crianças escolhidas para o resgate, ou identificar as vítimas já salvas, os envolvidos no resgate decidiram por um pensamento de grupo: todos os familiares ficariam aflitos juntos, durante toda a missão, e aliviados juntos ao final dela – unidos solidariamente, portanto, do começo ao fim.
O que podemos depreender dessa atitude tão discreta, simples e pragmática? Um senso ético de comunidade, de coletividade que se opõe ao pensamento individualista. Os familiares das crianças procuravam não pedir mais detalhes que as autoridades podiam oferecer, evitando “ofender quem os estava ajudando”. Esse tipo de pensamento se opõe ao individualismo, tão inflado em nossa sociedade consumista e competitiva; em outras palavras, o comunitário foi mais importante que o individual.
Todas as crianças eram importantes bem como todas as famílias que prezavam por elas – “nenhuma a menos”*. Por pragmatismo, foram selecionadas uma a uma para o resgate, mas a finalidade era a de resgatar todas. Em nenhum momento, o que imperou foi “quero saber de minha criança, do que realmente importa para mim”. Quando o individualismo se sobrepõe à coletividade, temos uma sociedade infantilizada, imediatista e mesquinha – uma sorte de egos infl
ados, de monólogos coletivos, em que todo o mundo fala, mas ninguém realmente escuta. Uma sociedade regida por prazeres umbilicais, destituída de empatia, e que certamente perecerá, afinal “juntos, estamos unidos; separados, estamos perdidos.”**
Já a individualidade é a noção de que somos seres distintos, individuais; de que, se você gosta de azul, posso muito bem gostar de vermelho; de que, se você decide passear no final da semana ao ar livre com seus amigos, eu posso ficar em casa lendo um bom livro, e tudo bem! Como dizia a turma de “A Pequena Sereia”, você é você e eu sou eu, vivendo em harmonia**. Quando falta individualidade a uma pessoa, ela sofre porque não consegue existir plenamente, enquanto ela mesma, pois ela acaba vivendo para agradar ao outro, obcecada por ser aceita e paranóica pelo medo de ser criticada. Afinal, é na diferença que descobrimos nossa individualidade – quando todos tomam partido de uma determinada idéia, menos você. A quem falta individualidade, a idéia de se diferenciar do grupo gera angústia e ansiedades persecutórias; a quem essa individualidade é bem-dosada, a pessoa se sente no direito de existir plenamente, aterrada, guiada e ancorada por si mesma. E, a quem sobra essa individualidade, prevalece o “individualismo” – só eu existo, só eu importo e não preciso de ninguém.
Olhemos à volta: é realmente possível ser totalmente independente? Não precisar de ninguém? A quem serve esse discurso tão parcial e falacioso? A quem serve essa recusa de lidar com o outro na diferença?
Prefiro o caminho do meio: eu existo; você também. Por isso, compartilhamos experiências juntos, na união e na diferença. * Link para o artigo: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44774642. * Bordão argentino de luta contra o feminicídio (“Ni Una Menos”) e também título do filme de 1999, sob direção de Zhang Yimou (“Nenhum A Menos”). ** Máxima atribuída a Evon Hedley. ** Máxima de Fritz Perls, criador da Gestalt-Terapia, e refrão de “A Pequena Sereia”, dos estúdios Disney, conto de fada baseado no homônimo de Hans Christian Andersen.
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