Falar sobre amor e desapego exige um percurso reflexivo capaz de nos revelar de que maneira podemos integrar essas energias à medida que vivemos nossa rotina cotidiana. Embora o tema possa parecer trivial à primeira vista, a verdade é que o amor é o sentimento que permeia nossas existências. Quem de nós não deseja amar e ser amado? E quem, em algum momento, não experimentou ou ainda irá experimentar a dor do amor?
Na tentativa de aprofundar a compreensão desse sentimento tão essencial à humanidade, deparo-me com a concepção evangélica que define o amor como a Lei por excelência. Se o amor é uma lei, significa que está inscrito nas normas e regras universais que regem tudo e todos. Mas seria essa, de fato, a mensagem de Jesus? Teria Ele nos ensinado que o amor não é apenas um sentimento, mas uma estrutura fundamental do cosmos?
Sabemos que o universo é regido por leis – físicas, mentais e espirituais. Assim, compreender a Lei do Amor é um passo fundamental para nossa evolução. Para tanto, é necessário situá-la dentro da história da humanidade. Pierre Teilhard de Chardin nos ensina que somos seres em contínuo processo de evolução, e que cada indivíduo vibra em consonância com seu nível energético. Quando alcançamos o estágio hominal, nossa energia já não se sustenta apenas nos instintos primitivos que regem o mundo animal. O instinto, nesse sentido, é a essência da sobrevivência animal, mas o ser humano ultrapassa essa condição.
Freud nos mostra que, ao contrário dos animais, o homem não é regido unicamente por instintos, mas por um conceito mais amplo e dinâmico: a pulsão. Como bem aponta Garcia-Roza, a pulsão é o instinto desmaterializado, algo que se ancora no biológico, mas não se limita a ele. Zimerman, por sua vez, elucida que a pulsão não estabelece uma simples continuidade com o instinto, mas, ao contrário, marca uma ruptura, transformando o somático e psíquico. Dessa forma, as experiências emocionais primitivas moldam o mundo interno do indivíduo, dando forma às suas representações e desejos.
A pulsão é um motor interno poderoso, uma força invisível que nos impele à ação dentro da realidade tridimensional. Embora nunca seja plenamente consciente, manifesta-se em nossos atos e desejos. A vida humana, em grande parte, é conduzida por essa energia que investimos em pessoas, objetos e situações – aquilo que podemos chamar de "objetos de desejo". No entanto, se todos os seres humanos compartilham essa necessidade de realização através do outro, inevitavelmente nos confrontamos com os desejos alheios. É nesse embate que emergem os desafios da convivência e os limites da individualidade.
Raramente nossos desejos coincidem com os desejos do outro. Somos seres singulares, com histórias únicas, e nossas necessidades emocionais não são espelhadas de forma exata nas necessidades dos demais. Essa condição nos coloca diante de uma aparente contradição: aquele que desejamos pode ser, ao mesmo tempo, a fonte de nossa frustração por não corresponder plenamente às nossas expectativas. Assim, o homem se vê diante de um dilema existencial: precisa do mundo e dos outros para se realizar, mas o mundo não existe para satisfazer seus desejos. Essa dinâmica incessante faz do universo humano um palco de constantes reajustes e negociações internas e externas.
O homem primitivo, por sua natureza pulsional, era essencialmente egoísta. No entanto, à medida que evolui, aprende a dividir, sublimar e transformar seus impulsos em algo mais elevado. O processo de humanização ocorre quando a força pulsional se orienta para um ideal mais amplo, permitindo que o indivíduo se sinta integrado ao mundo não apenas pelo desejo, mas também pelo significado. É nessa jornada que constatamos a maravilha da experiência humana: um constante aprimoramento das necessidades materiais em busca de uma complexidade mental e emocional maior.
Esse refinamento leva à superação dos desejos primários, dando lugar a sentimentos mais elevados. A renúncia materna, por exemplo, ilustra esse fenômeno: uma mãe abdica de seus próprios desejos em prol do bem-estar de seu filho. É nesse movimento que podemos compreender a transmutação do desejo egoísta em amor altruísta.
Dessa forma, podemos definir o amor como a mais sutil e refinada elaboração da força pulsional no plano humano. Quando a pulsão se harmoniza e encontra seu equilíbrio, essa manifestação é chamada de amor. O amor é, portanto, a Lei por excelência porque representa o caminho inevitável da evolução humana. Não há como escapar dessa força, e, em um dado momento, todos seremos seres plenamente amorosos.
A trajetória que percorremos na vida nada mais é do que um exercício constante de lapidação da pulsão até que ela se transforme em amor. Contudo, essa transmutação não é isenta de dificuldades: o caminho que leva do desejo egoísta ao amor é longo e muitas vezes doloroso. Sofremos restrições, enfrentamos obstáculos, e a resistência à mudança nos faz adoecer. Nesse sentido, as doenças físicas podem ser compreendidas como manifestações tridimensionais da nossa dificuldade em converter desejo em amor.
Se estamos em evolução contínua, nossa jornada não se encerra aqui. Assim como já ultrapassamos a condição animal para nos tornarmos seres humanos, também ultrapassaremos as barreiras do hominal em direção a um estado mais elevado de consciência. Somos, afinal, seres espirituais, e para transcender os limites da materialidade, precisamos nos sintonizar com a vibração do amor. Será essa frequência que nos libertará da dor e do sofrimento. Nesse estágio, o mundo material perderá seu domínio sobre nós, pois já não estaremos presos aos seus paradigmas.
Aqueles que ainda vivem em função de seus próprios desejos, sem aceitar as diferenças dos outros e buscando a felicidade a qualquer custo, estão mais próximos do início da jornada do que do seu término. Mas, independentemente da velocidade com que cada um percorre esse caminho, todos estamos destinados ao mesmo destino.
Um grande mestre nos ensinou que o mal não existe. O que chamamos de mal nada mais é do que um subproduto inevitável da evolução. Ao passarmos por esse processo, que se dá por ensaio e erro, somos confrontados com nossa própria ignorância, gerando dificuldades e conflitos com aqueles que nos cercam. Essas dificuldades não são castigos, mas consequências naturais do desconhecimento de nós mesmos e do funcionamento da Lei de Ação e Reação.
Tomar consciência desse processo significa abreviar o tempo de aprendizado e assumir a responsabilidade pela nossa própria evolução. O novo estado amoroso que emergirá desse caminho culmina, por fim, na energia do desapego.
O desapego não é negação do amor, mas sua forma mais elevada. Ele é o resultado final da jornada amorosa, quando finalmente compreendemos que o amor não é posse, mas liberdade. Aquele que ama verdadeiramente já não precisa aprisionar ou ser aprisionado, pois encontrou dentro de si mesmo a plenitude que antes buscava no outro.

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